O aspecto ético e jurídico no atendimento ginecológico das adolescentes se diverge com relação à idade. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) o limite cronológico da adolescência está entre 10 e 19 anos e no Brasil a norma legal determina a adolescência dos 12 aos 18 anos, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n 8.069/90. O código civil (Lei n 10.406/2002) já determina que a partir de 18 anos a pessoa tem sua maioridade quando ela fica habilitada á praticar todos os atos da vida civil.
Os direitos da adolescente referente à consulta ginecológica são:
Direito à privacidade, sua autonomia, sigilo e o consentimento informado, educação (inclusive a sexual), a informação e assistência da saúde reprodutiva.
A adolescente com idade entre 12 e 18 anos, pode estar desacompanhada, se assim o desejar, sendo-lhe garantido autonomia e direito ao sigilo, exceto nas situações previstas em lei e/ou que guardem risco de vida ao paciente ou a terceiros.
Ao médico cabe estimular a adolescente a compartilhar com a família ou com seus responsáveis, ou o adulto em quem ela confia, que possa ser suporte na busca por um apoio e uma conversa a respeito das suas dúvidas.
A privacidade é um direito da adolescente e por ser atendida sozinha no espaço privado de consulta, inclusive durante o exame físico, onde são reconhecidas a sua autonomia e individualidade é aconselhável que o outro profissional da saúde esteja presente na sala.
Referente ao sigilo no atendimento, a confidencialidade e a autonomia também são direitos da adolescente. O Código de Ética Médica determina que o sigilo profissional deva ser mantido inclusive no caso de pacientes menores de idade, com a ressalva de que a menor deve ter a capacidade de discernimento para entender sobre sua situação de saúde, o tratamento e as consequências, exceto quando esse sigilo não resulte a dano a própria paciente.
Em geral, esse sigilo deve ser mantido, inclusive dos pais e responsáveis, porém, em algumas situações esse sigilo deve ser quebrado, quando a paciente apresentar: déficit intelectual relevante, a percepção da idéia de suicídio ou homicídio, falta de critica por distúrbios psiquiátricos, uso de drogas, recusa ao tratamento por doenças de risco, casos de suspeita de abuso sexual, gravidez, sorologia positiva de HIV e outras atitudes que exponham a adolescente e/ou terceiros a risco de vida.
Quando envolve a quebra desse sigilo, em certas situações esse sigilo pode ser violado e deve sempre ocorrer com o conhecimento da adolescente, mesmo que sem sua anuência. A adolescente deve ser incentivada a envolver seus responsáveis no acompanhamento e resolução dos seus problemas, sendo os limites da confidencialidade esclarecidos também para a família. Nas situações em que a quebra do sigilo é justificada e não havendo anuência da adolescente, após tê-la encorajado a envolver a família e oferecer apoio na comunicação, a adolescente será esclarecida dos motivos para qual houve a quebrada desse sigilo, e antes do médico passar a informação aos seus pais e/ou responsáveis. E também é muito importante que quando houver essa quebra de sigilo, que os motivos para esse sejam anotados no prontuário da adolescente, é importante deixar bem registrado para que o médico não seja questionado sobre a quebra do sigilo.
Frente às situações em que os responsáveis não autorizam que a adolescente seja atendida sozinha e realize exames necessários para seu tratamento, o profissional deve avisar aos responsáveis sobre o direito da adolescente á privacidade e dos benefícios que se traz uma entrevista privada com a adolescente, garantindo sua autonomia desde o primeiro contato, para que a adolescente se sinta a vontade na consulta com o médico. Caso não seja possível convencer os pais, o médico deve conversar com a adolescente e avaliar se ela se sente confortável ou não com a presença dos pais. Caso ela não se sinta segura, o atendimento deve ser interrompido, sob pena de violação aos direitos da paciente adolescente. Com exceção de se tratar de situação de urgência e nesse caso a quebra torna-se necessária. A não permissão da presença dos pais ou responsáveis na consulta também deve estar registrada no prontuário da paciente, inclusive com identificação de outro profissional como testemunha.
Procedimentos que envolvem maior complexidade tanto ambulatorial quanto procedimentos que envolvem internação, como por exemplo, cauterizações de lesões e vulva, vagina ou colo uterino, inserção de DIU, procedimentos que apresentam riscos de complicações, sempre devem ser realizados com a autorização ou a presença dos pais ou responsáveis. Mas em caso de urgência para a realização do procedimento, deve ser realizado mesmo sem a presença dos responsáveis.
Quando a adolescente está com acompanhante e ela permite que esse acompanhante entre na consulta, é preciso esclarecer para a adolescente que o sigilo foi quebrado e também questionar se ela esta ciente disso e perguntar se ela fica confortável com a situação. Caso ela não fique, então o acompanhante vai ser convidado para aguardar a consulta na sala de espera e todos esses detalhes também devem ser anotados no prontuário da paciente.
E em relação à violência ao adolescente, o Estatuto da criança e do adolescente determina que os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, como Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente ou a promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público. A comunicação à autoridade competente não acarreta infração ética por parte do médico, não se configurando, assim, violação do segredo profissional. É necessário que se tenha muita segurança e indícios sustentáveis para levantar essa hipótese.
A comunicação se dá através de notificação que deve ser emitida pela instituição ou por qualquer pessoa, para o Conselho Tutelar, iniciando um processo que visa promover cuidados e tomar as providências necessárias para a proteção da adolescente. É recomendável que o profissional de saúde converse com o acompanhante, se houver, explicando-lhe a necessidade da notificação. Cada serviço de saúde deve se organizar e disponibilizar meios e rotinas para os profissionais efetuarem a notificação, para garantir o cumprimento da lei. Cada município pode organizar o recebimento da notificação de forma distinta, portanto, é importante verificar o regramento de cada cidade, pois cada uma tem suas próprias normas para receber essas notificações.
No caso de crime de estupro de vulnerável e violência presumida, lembrando que o estupro de vulnerável é a conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com menores de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato. Essa foi a determinação do Superior Tribunal de Justiça ao editar a Súmula n 593, em 25/10/2017.
Do ponto de vista do atendimento à saúde e da relação médico-paciente, essa questão é muito delicada e sensível para ser tratada com base na letra fria da lei. Esse entendimento que foi definido pelo superior tribunal da justiça, foi discutido no Fórum de Direitos Sexuais e Reprodutivos dos Adolescentes – Atividade Sexual Abaixo de 14 Anos, em 29 de agosto de 2018, Promovido pela Sociedade de Pediatria e pela SOGESP foi elaborado um manifesto no qual apontou diversas implicações da aplicação desse entendimento a todo e qualquer caso:
No caso do atendimento da menor de 14 anos que iniciou a vida sexual, é importante estabelecer uma anamnese bem detalhada sobre em que condição se iniciou ou se mantém as atividades sexuais, no intuito de buscar excluir a possibilidade de ocorrência de crime de estrupo.
O profissional ao atender uma adolescente menor de 14 anos, sozinha ou acompanhada, deve avaliar de forma criteriosa em qual contexto está inserida a relação sexual desta adolescente. Quem é seu parceiro: qual a diferença de idade entre eles - atenção para a maior diferença de idade - acima de cinco anos. Se a relação foi consentida; Afastar situação de vulnerabilidade para oferta de resistência como embriagues, o efeito de drogas, coação; Se há conhecimento dos pais sobre o relacionamento, e caso não haja - qual o motivo pelo qual não deseja Que os pais tomem conhecimento – (Para afastar possíveis casos de violência familiar); Para decidir como agir e ter embasamento para quebra de sigilo; Recomenda-se ainda que o prontuário do paciente seja bem documentado que em todas as informações pertinentes ao caso; Vale ressaltar que as situações de maus-tratos, abuso ou exploração sexual deverão obrigatoriamente ser notificadas.
Em relação à constatação de virgindade, quando a solicitação vem dos pais, o que o médico deve fazer?
- O médico deve informar aos pais sobre os direitos da adolescente à privacidade e à confidencialidade;
- Esclarecer que laudos periciais são de responsabilidade de médicos legistas.